quinta-feira, 19 de março de 2009

O Vestígio e a centelha:

o pensamento da imagem em Walter Benjamin

O curso pretende abordar a dimensão indicial das imagens fotográficas e cinematográficas a partir do pensamento benjaminiano acerca da imagem. Para tanto, serão lidos textos de Walter Benjamin que tratam do tema, acompanhados da discussão de textos de comentadores e estudiosos da obra benjaminina, além da análise de obras fotográficas e cinematográficas.

No momento atual, em que imperam, em diferentes domínios, as teses desconstrucionistas em torno da imagem (que enfatizam o caráter convencionado de seu sentido, dependente de um acordo intersubjetivo construído pelos espectadores), gostaríamos de insistir no modo com que a experiência histórica se inscreve na materialidade das imagens (mesmo a mais precária), sob a forma de um vestígio que não pode ser tomado unicamente como um documento do passado, mas sim como um índice do futuro, a clamar por redenção e ameaçado pela desaparição. A concepção benjaminina da imagem foi traduzida belamente por Georges Didi-Huberman em L'Image malgré tout. Neste livro dedicado a quatro pedaços de um filme fotográfico arrancados ao inferno de Auschwitz, Didi-Huberman comenta a brevíssima aparição, em História(s) do cinema, de Jean-Luc Godard, da imagem dos restos calcinados de um homem, quase irreconhecível, pois é com dificuldade extrema que a semelhança ainda sobrevive nas cinzas que o fotograma guardou (e que a memória procura reavivar):

      “Alguma coisa permanece que não é a coisa, mas um farrapo da sua semelhança. Alguma coisa - bem pouco, uma película – resta de um processo de destruição: essa alguma coisa, ao mesmo tempo em que testemunha uma desaparição, luta contra ela, pois se torna a ocasião da sua possível memória. Essa coisa não é nem a presença plena nem a ausência absoluta. Não é a ressurreição nem a morte sem restos. É a morte enquanto produtora de restos.” 1

Alguma coisa que resta, "um mundo proliferante de lacunas, de imagens singulares que, montadas umas com as outras, suscitarão uma legibilidade, um efeito de saber", escreve Didi-Huberman. Os restos da imagem e a imagem como resto. A imagem sobrevivente. Contudo, a legibilidade que essa coisa espera de nós luta contra a própria fragilidade da sua inscrição. O que nos conduz ao texto de Benjamin é, portanto, o modo com que a lógica do vestígio é vinculada a uma experiência história que permanece inacabada, à espera – justamente – da redenção. Não aquela que viria no final dos tempos, com sua irrupção catastrófica, e sim esta outra, incerta e singular, inscrita no tempo próprio da imagem, mesmo o mais breve, enquanto ela perdura, e que não se sustenta se o olhar não é reavivado pela memória, e se não consegue atender ao apelo que as coisas nos lançam. Tal perspectiva amplia enormemente o horizonte da discussão em torno da indicialidade da imagem no domínio da teoria do cinema documentário e da fotografia documental e impõe novos desafios conceituais e metodológicos.

O curso será organizado em três grandes temas em torno dos quais se reunirão as discussões dos textos e as análises das imagens. Os textos de Walter Benjamin, relativos a cada uma das partes, são:

    Primeira parte: Rosto

    “Pequena história da fotografia”; “A doutrina das semelhanças”, “A imagem de Proust”, “Franz Kafka - A propósito do décimo aniversário de sua morte”.

    Segunda Parte: Gesto

    “Experiência e Pobreza”, “Paris, capital do sec. XIX”, trechos selecionadaos das “Passagens”

    Terceira parte: Redenção

    “Sobre o conceito de história”; “Fragmento teológico-político”, trechos selecionados das “Passagens”



Metodologia:

O curso será realizado simultaneamente na ECO/UFRJ e na FAFICH/UFMG (Prof. César Guimarães), com turmas indenpendentes. Entre a segunda e terceira partes do curso, prevê-se um encontro das duas turmas para intercâmbio de experiências e de reflexão teórica. Ao longo do curso será mantida uma lista de discussão com a participação dos professores e alunos de ambas as unidades. As atividades são presenciais. As aulas incluem estudos dirigidos, seminários e projeção de filmes.

Bibliografia:

AGAMBEN, G. Renmants of Auschwitz. Zone Books, 2002.

AGAMBEN, G. Infância e História. UFMG, 2005.

AGAMBEN, G. The time that remains. Stanford University Press, 2005.

BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1985.

BENJAMIN, Walter. The Arcades Project . Harvard University Press, 1999 (edição brasileira pela UFMG)

DIDI-HUBERMAN.G. Images malgré tout. Édition de Minuit, 2003.

DIDI-HUBERMAN.G. Ante el tiempo. Adriana Hidalgo, 2008 (Ed. Francesa, 2000).