quinta-feira, 25 de junho de 2009
"Da Abjeção" - Jacques Rivette (texto citado por Ricardo Foster em "Las Almas de los Muertos")
Por exemplo, a questão do realismo: por múltiplas razões, fáceis de compreender, o realismo absoluto, ou aquilo que pode tomar seu lugar no cinema, é aqui impossível; toda tentativa nessa direção é necessariamente inacabada (“logo imoral”), toda tentativa de reconstituição ou de maquiagem derrisória e grotesca, toda aproximação tradicional do “espetáculo” deriva do voyeurismo e da pornografia. O diretor fica encarregado de enfastiar, par que aquilo que ele ousa apresentar como a “realidade” seja fisicamente suportável pelo espectador – que só pode concluir, por conseguinte, talvez inconscientemente, que certamente era horrível, esses alemães, que selvagens –, mas finalmente não intolerável, e que, sendo bem esperto, com um pouco de astúcia ou paciência, seria possível livrar-se. Ao mesmo tempo, cada um se habitua sorrateiramente ao horror, isso entra pouco a pouco nos modos, e logo fará parte da paisagem mental do homem moderno; quem poderá, da próxima vez, se espantar ou se indignar com aquilo que terá deixado de ser chocante?
É nesse momento que se percebe que a força de Noite e Neblina [Nuit et Brouillard, Alain Resnais, 1956] vinha menos pelos documentos do que pela montagem, pela ciência com a qual os fatos brutos, reais, até, eram oferecidos ao olhar, num movimento que é justamente aquele da consciência lúcida, e quase impessoal, que não pode aceitar compreender e admitir o fenômeno. Pôde-se ver, aliás, documentos mais atrozes do que aqueles exibidos por Resnais: mas a que o homem não se pode habituar? Ora, não é possível habituar-se a Noite e Neblina; porque o cineasta julga o que mostra, e é julgado pela forma como mostra.
Outra coisa: andam citando bastante a torto e a direito, e muitas vezes de forma bastante tola, uma expressão de Moullet: a moral é questão de travellings (ou a versão de Godard: os travellings são uma questão de moral); quis-se ver aí o cúmulo do formalismo, quando antes se poderia criticar o excesso “terrorista”, para retomar a terminologia paulhaniana. Basta ver, entretanto, em Kapò, o plano em que [a atriz Emmanuelle] Riva se suicida, jogando-se sobre o arame farpado eletrificado; o homem que decide, nesse momento, fazer um travelling para, à frente reenquadrar o cadáver em contra-plongée, tomando cuidado para inscrever exatamente a mão levantada num ângulo de seu enquadramento final, esse homem só tem direito ao mais profundo desprezo. Nos incomodam há alguns meses com os falsos problemas da forma e do conteúdo, do realismo e do feérico, do roteiro e da “mis-en-scène”, do ator livre ou dominado e outras pilhérias; digamos que todos os temas nascem livres e iguais em direito; o que conta, é o tom, ou a inclinação, ou a nuança, como se quiser chamar – ou seja, o ponto de vista de um homem, o autor, mal necessário, e a atitude que toma esse homem em relação àquilo que ele filma, e assim em relação ao mundo e a todas as coisas: o que pode se exprimir pela escolha das situações, a construção da intriga, os diálogos, o trabalho dos atores, ou a pura e simples técnica, “mesmo indiferentemente”. Existem coisas que só devem ser abordadas no temor e no terror; a morte é uma delas, sem dúvida; e como, no momento de filmar uma coisa tão misteriosa, não se sentir um impostor? Mais valeria em todo caso se questionar, e inserir essa interrogação, de alguma forma, naquilo que se filma; mas a dúvida é aquilo de que Pontecorvo e seus iguais estão mais desprovidos.
Fazer um filme é mostrar certas coisas, é ao mesmo tempo, e pela mesma operação, mostrá-las por um certo viés; esses dois atos são rigorosamente indissociáveis. Da mesma forma que não pode haver absoluto da mise-en-scène, pois não há mise-en-scène no absoluto, da mesma forma o cinema nunca será uma “linguagem”: as relações do signo ao significado não funcionam aqui, e só culminam em heresias tão tristes quanto as da pequena Zazie. Toda aproximação do fato cinematográfico que pretende substituir a adição à síntese, a análise à unidade, nos remete logo a uma retórica de imagens que não têm mais a ver com o fato cinematográfico quanto o desenho industrial com o fato pictórico; por que essa retórica permanece tão cara àqueles que se intitulam eles mesmos “críticos de esquerda”? – talvez, no fim das contas, estes sejam antes de tudo irredutíveis professores; mas se nós sempre detestamos, por exemplo, Pudóvkin, de Sica, Wyler, Lizzani e os antigos combatentes do Idhec, é porque a realização lógica desse formalismo se chama Pontecorvo. Pensem o que pensarem os jornalistas diários, a história do cinema não entra em revolução a cada oito dias. A mecânica de um Losey, a experimentação novaiorquina não fazem com que ela se mexa mais do que as ondas da greve fazem com a paz das profundezas. Por quê? É que uns só se fazem questionamentos formais, enquanto os outros os resolvem no começo ao não fazer questionamento nenhum. Mas o que dizem aqueles que fazem verdadeiramente a história, e que também chamamos “homens da arte”? Resnais confessará que, se tal filme em cartaz interessa seu lado espectador, é no entanto diante de Antonioni que ele tem o sentimento de ser apenas um amador; da mesma forma Truffaut falaria sem dúvida de Renoir, Godard de Rossellini, Demy de Visconti; e como Cézanne, contra todos os jornalistas e cronistas, foi pouco a pouco imposto pelos pintores, da mesma forma como os cineastas impõem à história Murnau ou Mizoguchi...
Jacques Rivette (Cahiers du Cinéma 120) – Tradução de Ruy Gardnier (Revista Contracampo – www.contracampo.com.br)
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Tiradentes a vista!
hospedagem, quanto vão, atividades, etc.
Se algum mineiro passar por aqui, peçam pro César entrar em contato comigo.
m
quarta-feira, 27 de maio de 2009
Minicurso Walter Benjamin
Eu e mais três alunos do César estamos fazendo um minicurso na Faculdade de Letras da UFMG chamado “Seminário de literatura comparada: allegories of time and space in Walter Benjamin”.
Este curso está sendo ministrado pelo professor alemão Wolfgang Bock. Quem o trouxe foi o professor (também alemão) Georg Otte da Letras e ambos trabalham muito com Benjamin em seus estudos. O professor Otte dá uma disciplina de literatura comparada na qual ele se baseia em Benjamin para a graduação e já deu uma disciplina sobre ele no doutorado. Todo este material está à nossa disposição por lá e este contato é para que eu possa enviá-lo (os que tenho no e-mail, ao menos) para vocês.
Nós recebemos textos do Benjamin em alemão, espanhol e inglês para podermos comparar as traduções. Há as teses “Sobre o Conceito da História”, o “Fragmento N” das Passagens e mais algumas coisas.
Aos interessados meu e-mail é ursula.roesele@gmail.com . Quem quiser, pode entrar em contato que eu repasso.
Abraços a todos,
Ursula Rösele
domingo, 24 de maio de 2009
O anjo e sua perguntas
Estava pensando que ele podia ser uma das questões do encontro de Tiradentes. O anjo é o historiador, o cineasta, o fotógrafo, o filosofo, o artista, a porta aberta por onde pode entrar o Messias, o Guadião da Lei na parabola de Kafka, o cinegrafista N.S. de Blaise Cendrars", o mensageiro, o meio sem fim. Onde mora o anjo?
Uma pista:
"Nesta rua, nesta rua, tem um bosque//que se chama, que se chama solidão//dentro dele, dentro dele mora um anjo//que roubou, que roubou meu coracão"
- Ou quem canta e o "gago apaixonado" de Noel Rosa ou onde mora o anjo tem um eco.
As perguntas do anjo são:
- Qual e a morada do anjo?
Ou:
- Como e possível uma experiência autêntica do tempo historico?
Outra pista:
Está escrito no Gênesis Rabah: "Um anjo não e capaz de cumprir duas missões ao mesmo tempo, nem dois anjos desemcumbirem-se da mesma missão juntos"
sábado, 16 de maio de 2009
Anjo da história
segunda-feira, 11 de maio de 2009
Kátia Lombardi,de Belo Horizonte
sábado, 2 de maio de 2009
Como vai ser o nosso seminário em Tiradentes?
Acho que podemos iniciar aqui uma conversa sobre nosso encontro de Tiradentes.
Alguma idéia?
sábado, 28 de março de 2009
Boas Vindas
Este é o blog do nosso curso. À direita, estão links para informações gerais (ementa e cronograma). Outras virão, conforme a necessidade.
Espero que possamos fazer bom proveito deste espaço.
- debater questões, facilitar o acesso a textos, oferecer links para sites interessantes... etc.
Boas vindas a todos do mar e da montanha!
mauricio lissovsky
quinta-feira, 26 de março de 2009
Cronograma de aulas
o pensamento da imagem em Walter Benjamin
Primeira parte: Rosto
AULA 1 (19/03)
Benjamin:
"Pequena história da fotografia"
"A doutrina das semelhanças" e "A Capacidade Mimética"
Lissovsky:
"Signo: Tigre; Ascendente: Lontra. História, Fotografia e Adivinhação em Walter Benjamin." (RJ) "Walter Benjamin, a fotografia e a pequena história" (MG)
AULA 2 (26/03)
Benjamin:
"A imagem de Proust"
"Franz Kafka - A propósito do décimo aniversário de sua morte".
Eduardo Cadava:
" cap. XXV - Similarity" de "Words of Light" (versão esp. "Semejanza")
AULA 3 (02/04)
Georges Didi-Huberman:
"Quatre bouts de pellicule arrachés à l'enfer" e "Dans l'oeil même de l'histoire" (Images malgré tout). Versão ingl. ‘Four pieces of film snatched from Hell e "In the very eye of History"
"A imagem-crítica" (O que vemos, o que nos olha).
AULA 4 (BH, 02/04; Rio 23/04)
Agamben:
"Qu'est-ce que le contemporain?"
"Shekinah" (A Comunidade vindoura);
"Le Visage" (em Meios sem fim). Vers. Ing.: "The face"
"Pardes": a escrita da potencialidade.
O Dia do Juízo (em Profanações)
Segunda Parte: Gesto
AULA 5 (30/04)
Benajmin:
"Experiência e Pobreza"
Agamben:
"Infância e História" (Ensaio sobre a destruição da Experiência)
AULA 6 (07/05):
Benjamin:
trechos selecionados das "Passagens"
"Paris, capital do sec. XIX"
ANDREW Benjamin:
"Boredom and Distraction: the moods of modernity"
Suzan Buck-Mors:
"História Natural: Fóssil" (em Dialética do Olhar)
AULA 7 (14/05)
AGAMBEN:
O autor como gesto
Notas sobre o gesto
DIDI-HUBERMAN
"A História da Arte como disciplina anacrônica" (Diante do Tempo)
Terceira parte: Redenção
AULA 8 (21/05)
Benjamin:
"Sobre o conceito de história"
"Fragmento teológico-político"
- Exibição de Drancy avenir (Arnaud Despallières)
AULA 9 (28/05)
Lissovsky
A Memória e as Condições Poéticas do Acontecimento
Agamben:
"Tempo e História: Crítica do Instante e do Contínuo"
Stéphanne Mosés:
"O Anjo da História" (cap. VI)
AULA 10 (18/06)
DIDI-HUBERMAN:
"Image-archive ou image-apparence". (vers. Ing.:’Archive-Image or Appearence-Image). EM Images malgré tout (Images in spite of all)
- Exibição de trechos de S21, la machine de mort Khmère Rouge (Rithy Pan)
AULA 11 (25/06)
Ricardo Foster:
"La Alma de los Muertos"
Didi-Huberman:
"Image-montage ou image mensonge" (vers. Ing. Montage-image or Lie-Image). Em: Imagens a despeito de tudo
Exibição do episódio IA de Histoire(s) du cinéma (Godard).
AULA 12 (02/07)
DIDI-HUBERMAN
"Image semblable ou image semblante" (Em Images in spite of all ; Ing: Similar-Image or Semblance-Imgage)
Agamben:
"O Arquivo e o Testemunho"
César Guimarães:
"E a redenção? (notas em torno da imagem, do limiar e do real".
Maria Filomena Molder:
"A tinta e o mata-borrão: a teologia no pensamento de Walter Benjamin".
Seminário de Integração: 09-10/07
quinta-feira, 19 de março de 2009
O Vestígio e a centelha:
o pensamento da imagem em Walter Benjamin
O curso pretende abordar a dimensão indicial das imagens fotográficas e cinematográficas a partir do pensamento benjaminiano acerca da imagem. Para tanto, serão lidos textos de Walter Benjamin que tratam do tema, acompanhados da discussão de textos de comentadores e estudiosos da obra benjaminina, além da análise de obras fotográficas e cinematográficas.
No momento atual, em que imperam, em diferentes domínios, as teses desconstrucionistas em torno da imagem (que enfatizam o caráter convencionado de seu sentido, dependente de um acordo intersubjetivo construído pelos espectadores), gostaríamos de insistir no modo com que a experiência histórica se inscreve na materialidade das imagens (mesmo a mais precária), sob a forma de um vestígio que não pode ser tomado unicamente como um documento do passado, mas sim como um índice do futuro, a clamar por redenção e ameaçado pela desaparição. A concepção benjaminina da imagem foi traduzida belamente por Georges Didi-Huberman em L'Image malgré tout. Neste livro dedicado a quatro pedaços de um filme fotográfico arrancados ao inferno de Auschwitz, Didi-Huberman comenta a brevíssima aparição, em História(s) do cinema, de Jean-Luc Godard, da imagem dos restos calcinados de um homem, quase irreconhecível, pois é com dificuldade extrema que a semelhança ainda sobrevive nas cinzas que o fotograma guardou (e que a memória procura reavivar):
“Alguma coisa permanece que não é a coisa, mas um farrapo da sua semelhança. Alguma coisa - bem pouco, uma película – resta de um processo de destruição: essa alguma coisa, ao mesmo tempo em que testemunha uma desaparição, luta contra ela, pois se torna a ocasião da sua possível memória. Essa coisa não é nem a presença plena nem a ausência absoluta. Não é a ressurreição nem a morte sem restos. É a morte enquanto produtora de restos.” 1
Alguma coisa que resta, "um mundo proliferante de lacunas, de imagens singulares que, montadas umas com as outras, suscitarão uma legibilidade, um efeito de saber", escreve Didi-Huberman. Os restos da imagem e a imagem como resto. A imagem sobrevivente. Contudo, a legibilidade que essa coisa espera de nós luta contra a própria fragilidade da sua inscrição. O que nos conduz ao texto de Benjamin é, portanto, o modo com que a lógica do vestígio é vinculada a uma experiência história que permanece inacabada, à espera – justamente – da redenção. Não aquela que viria no final dos tempos, com sua irrupção catastrófica, e sim esta outra, incerta e singular, inscrita no tempo próprio da imagem, mesmo o mais breve, enquanto ela perdura, e que não se sustenta se o olhar não é reavivado pela memória, e se não consegue atender ao apelo que as coisas nos lançam. Tal perspectiva amplia enormemente o horizonte da discussão em torno da indicialidade da imagem no domínio da teoria do cinema documentário e da fotografia documental e impõe novos desafios conceituais e metodológicos.
O curso será organizado em três grandes temas em torno dos quais se reunirão as discussões dos textos e as análises das imagens. Os textos de Walter Benjamin, relativos a cada uma das partes, são:
Primeira parte: Rosto
“Pequena história da fotografia”; “A doutrina das semelhanças”, “A imagem de Proust”, “Franz Kafka - A propósito do décimo aniversário de sua morte”.
Segunda Parte: Gesto
“Experiência e Pobreza”, “Paris, capital do sec. XIX”, trechos selecionadaos das “Passagens”
Terceira parte: Redenção
“Sobre o conceito de história”; “Fragmento teológico-político”, trechos selecionados das “Passagens”
Metodologia:
O curso será realizado simultaneamente na ECO/UFRJ e na FAFICH/UFMG (Prof. César Guimarães), com turmas indenpendentes. Entre a segunda e terceira partes do curso, prevê-se um encontro das duas turmas para intercâmbio de experiências e de reflexão teórica. Ao longo do curso será mantida uma lista de discussão com a participação dos professores e alunos de ambas as unidades. As atividades são presenciais. As aulas incluem estudos dirigidos, seminários e projeção de filmes.
Bibliografia:
AGAMBEN, G. Renmants of Auschwitz. Zone Books, 2002.
AGAMBEN, G. Infância e História. UFMG, 2005.
AGAMBEN, G. The time that remains. Stanford University Press, 2005.
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BENJAMIN, Walter. The Arcades Project . Harvard University Press, 1999 (edição brasileira pela UFMG)
DIDI-HUBERMAN.G. Images malgré tout. Édition de Minuit, 2003.
DIDI-HUBERMAN.G. Ante el tiempo. Adriana Hidalgo, 2008 (Ed. Francesa, 2000).